Crescer em São Paulo é se acostumar a ouvir pessoas de fora da cidade a falar mal do lugar onde você mora.
Como bons anfitriões, damos oportunidades iguais para quem teve origem de fora ou de dentro do território. Crescemos sabendo que nossa cidade oferece faculdades de qualidade abertas para migrantes abonados em suas terras natais e um mercado de trabalho aquecido, pois aqui sem dinheiro você é apenas um fantasma.
Como qualquer casa, temos os cantos esquecidos e empoeirados contrastando com as áreas nobres de convivência e cultura, mas como ainda funcionamos como uma colônia, que produz riqueza para outras terras, não temos os mesmos padrões de bens públicos e apoios governamentais disponíveis aos nossos vizinhos desenvolvidos. A classe empresarial está longe de retornar como investimento em serviços locais verbas regulares e justas para alçar voos mais ambiciosos. Pro empresário médio ainda é mais justo investir em sua próxima viagem de férias, como se tirar fotos com a equipe do Mickey garantisse crescimento do próprio negócio.
Eu poderia facilmente canalizar o meu revolver verborrágico na direção dos colegas que vieram de fora. Mas adotarei a direção contrária à acusação. Falarei para os paulistas. Que nasceram nesta cidade e se acostumaram a viver de uma forma passiva aos constantes abusos invisíveis que fodem o nosso santo e precioso rabo.
Estou acostumado a assistir sociedades nascendo entre pessoas que vieram de fora, grande parte, aparentemente, bem sucedidas. Quem aposta a vida em uma nova cidade decide se distanciar da família e viver uma história completamente nova. Geralmente sabem muito bem como é grande o valor de cada conexão aqui realizada. Como é importante estabelecer parcerias ao longo do seu caminho. O real valor da gratidão pelas trocas oferecidas.
Meus melhores trabalhos foram em parcerias com pessoas de outras cidades. Encontrei pessoas incríveis de São Paulo, claro, mas o volume de pessoas engajadas em fazer algo realmente bom é muito maior entre aqueles que pagam aluguel e estão longe das famílias.
Seguimos muitas regras que foram ditas por comandos externos, procurando otimizar o tempo de produção e aumentar as margens de lucro, esquecendo de vigiar os próprios interesses, que devem sempre entrar em negociação. Os efeitos desse ritmo imposto e não discutido são sentidos pela maioria, basta uma rápida leitura em qualquer timeline para constatar as queixas dos que resmungam dos obstáculos dessa grande metrópole.
Cada direito suprimido afeta primeiramente a sua vida. Cada conexão desperdiçada tranca possibilidades futuras que só chegariam caso fossem respeitadas as justas medidas de troca que regulam qualquer transação comercial, permuta de serviços ou o "meu ajuda que eu te ajudo".
Os VIPs paulistanos adoram receber algo por privilégio, por acreditarem que pertençam a uma casta dominante, bajulada, estudada. A maioria dos calotes e "ajudinhas" não retribuídas que tive até hoje foram com paulistas que julgam-se espertos, ágeis e altamente competitivos. Caipiras nascidos nos mesmos territórios de uma grande cidade tão farta em pessoas querendo se ajudar, simplesmente por que precisam se ajudar.
Cuidar da própria casa consome um tempo grande mesmo quando você administra e supervisiona um time de funcionários. Cuidar da própria cidade faz com que você busque soluções que facilitem e melhorem não só a sua vida, mas também a dos seus empregados, vizinhos, amigos e familiares.
Se o seu lucro têm origem em uma comunidade e você injeta esse dinheiro em consumo próprio ou em terras distantes, uma hora os efeitos do saque voltam como sintomas em uma cidade com poucos investimentos nos serviços locais. Quanto maior seu faturamento, maior a responsabilidade em garantir o desenvolvimento local. Não adianta nada passar uma semana nos maravilhosos jardins de Londres e ser vizinho de uma praça mal cuidada, cheia de cocô de cachorro e despachos em decomposição.
Você pode pagar super barato em uma bolsa e desconsiderar que aquele objeto foi confeccionado por mãos famintas, cansadas e marginalizadas, mas certamente ficará estarrecido quando essa mesma peça for roubada por um menor "delinquente", que foi criado, de alguma forma, por mãos famintas, cansadas e marginalizadas.
O transito é um problema quando horários não são negociáveis. Encontros pessoais são mais ágeis, mas basta uma conexão à internet para dar andamento a um assunto que dispense, ou não compense, o tempo de transito em horários de pico ou dias chuvosos. Uma quantidade gigantesca de pessoas deslocam-se por necessidade, enquanto outras nem sequer negociam a opção de liberar espaço nas faixas das marginais ou nas linhas do metro. Comportamentos bovinos de quem só recebe ordens e não coloca a cabeça pra funcionar só perpetuam aglomerações desnecessárias.
Quando contratar um serviço aspirando resultados grandiosos, esteja naturalmente apto para investir o equivalente. Qualquer negociação que gere benefício avantajado somente para uma das partes não se repete no futuro, amadurece longe do potencial almejado. Cobre um buraco imediato, mas deixa sequelas desagradáveis em um próximo momento.
O futuro dos mais novos não pode depender somente das oportunidades oferecidas por multinacionais. Nem depender de iniciativas governamentais. Grandes marcas investem no desenvolvimento de sua base de consumo, pequenos e emergentes negócios sobrevivem quando encontram uma rede onde consigam investimentos que garantem o crescimento natural de qualquer empresa, e esse investimento não é obrigação somente dos bancos ou programas do governo. As esmolas dadas aos famintos das ruas não corrigem o deficit da falta de investimento local. O "plano espiritual", para aqueles que transferem a responsabilidade de seus atos para o invisível, também não pode atender demandas que dependem dos que estão vivos, respirando, mas não compartilhando.
Qualquer mercado passa por fases de amadurecimento, expansão ou retração. Cientistas econômicos lançam teorias que procuram prever os movimentos futuros desse fluxo que é traduzido em números, mas nasce de desejos humanos, irracionais. Se até moléculas da água e vegetais respondem bem a elogios e bons cuidados, não adianta esperar bons frutos de funcionários ou empresas sem perspectivas, que sustentam-se embaixo do desmazelo dos que andam de nariz empinado, blindados em caixas fortes e bancos de couro.
Um desejo universal é atingir o próprio potencial. Ser alguém respeitável e colher os frutos do próprio trabalho. Saber que você pode investir nas próprias origens, acreditar nas perspectivas de crescimento que estão à disposição. Ter um norte, admirar alguém admirável. Saber que a sua grama pode, ao menos, ser tão verde quanto a do seu vizinho. Quando nada disso acontece, surge a necessidade de fuga, defesa, naturais de qualquer pessoa que busque dignidade no seu cotidiano. A geração Y, e essa próxima que ainda não foi classificada, Z ou#youngerthanrihanna, cresceu assistindo promessas oferecidas e não cumpridas e hoje têm consciência dos momentos em que tiveram seus direitos básicos desrespeitados. Dedicar tempo e saúde em um negócio que não preenche suas necessidades físicas é inocência e desespero, esforços cedidos à pressões que não levaram a sério os interesses e necessidades das partes menos conscientes.
Se você abusa da sua cidade, ela vai abusar de você. Se você trata sua base consumidora e seus funcionários como idiotas, essa intenção volta com mais força como abuso de peixes maiores, com mais chuva nas costas. Suas fotos de férias serão (e já estão) lindas, o seu carro é o máximo, sua academia é top, mas o seu dia a dia estará fadado ao esquecimento, indignação e vergonha, tão comuns na rotina de qualquer paulistano.
A cultura da felicidade pede que estejamos sempre bem dispostos e satisfeitos, guardando nossos problemas para advogados e psicólogos. Se você não compartilha um problema, se está tudo sempre muito bem, você não encontra soluções para situações que podem se resolver em conjunto, trocando perspectivas. Cidadão bom é aquele que reclama, que sabe onde o calo está apertando, onde faltaram atitudes de boa fé.
Qualquer ataque histérico, ou desabafo, revela mais sobre aquele que fala do aquilo que se critica. Dirijo primeiro as críticas para os meus próprios comportamentos, pois se não os tivesse não enxergaria nos demais. Faço, portanto, apenas algumas promessas:
1- Cuidar mais da minha própria gengiva, pois não quero ter um motivo a menos para sorrir.
2 - Fortalecer as conexões que já tenho, antes de investir tanto em conexões distantes.
3 - Cuidar muito bem da pessoa que se oferece para lavar a minha louça. Alguém da família dela está precisando de ajuda.
4 - Exigir mais paisagens bonitas em minha própria cidade, antes de pagar o mico deslumbrado nos quintais alheios.
5 - Encontrar ao menos um pupilo disposto a aprender algo comigo, antes de choramingar a falta de mestres que inspiram.
6 - Planejar e agir pensando no futuro dos meus filhos, mesmo que eu ainda não os tenha.
7 - Juntar dinheiro para comprar a minha casa, cobrando o justo para decorar outros palácios.
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