19.6.13

Acorda menina!

Sempre fui usuário de transporte coletivo e nunca me senti constrangido por isso. Quando possível substituo o itinerário por uma caminhada, sei que meu corpo agradece o exercício aeróbico. Gasto a energia que ficaria acumulada e tiraria minhas noites de sono. Por isso mesmo tenho propriedade pra avaliar a qualidade do serviço prestado e consigo compara-lo ao oferecido em outras grandes cidades do mundo.

Descobri que a tarifa tinha aumentado aqui em São Paulo no dia 2 de junho, eram 23h45 de um domingo produtivo e nublado. Antes de sair separei exatamente a quantia que precisaria para fazer o trajeto da Avenida Paulista até a Vila Carrão, na Zona Leste. Contei R$ 6,00 em moedas, R$ 3,00 em cada bolso. Demorei alguns segundos para entender a conta que o cobrador fazia, insistindo que o valor entregue estava certo enquanto ele dizia que faltavam vinte centavos. Ele apontou para o adesivo que indica o valor da passagem e só aí minha ficha caiu. Uma moça que estava atrás de mim reforçou no mesmo instante o que ele tentava me dizer, com cara de emburrada, talvez pela minha demora e também pelo próprio aumento.

Como sempre ando com algumas moedas perdidas na mochila consegui compensar os quarenta centavos adicionais que precisaria pra chegar ao meu destino. Naquele dia não fui tomado por grandes indignações, até acho o serviço prestado razoável, evito os horários de maior fluxo. Sei e já passei muito aperto entre as baldeações e acho que parte desse problema pode ser minimizado com horários mais flexíveis nas empresas. Algumas pessoas não se importam de entrar e sair mais tarde do trabalho. Existem aspectos culturais que devem entrar em discussão para minimizar um dos maiores problemas que enxergo nos coletivos, que é o excesso de usuários nos mesmos horários e o desinteresse de uso por parte da população, talvez por acreditarem que não se trata de uma opção para "elites" (ou pelo menos pra quem, ingenuamente, acredita que pertence a esse segmento).

Foi uma agradável surpresa acompanhar os desdobramentos desse aumento e já foi bastante repetida a teoria da gota d'água. O estopim para o grupo que encabeçou as primeiras manifestações não foi o mesmo que motivou a minha adesão aos protestos. Fico feliz por saber que, para uma parte considerável das mentes pensantes desse país, o aumento de tarifa seja mais importante que a marca do ténis que o colega calça ou o status que um bom carro proporciona para qualquer estudante.

Não condeno desejos materiais, são saudáveis para a economia, mas valorizo desejos cívicos, que são valiosos para o exercício de cidadania. Um equilíbrio entre as áreas de interesse diferencia um cidadão consciente, produtivo e participativo de um parasita inconsequente, dependente e irresponsável.

Fui às ruas para garantir o direito de manifestação após a vergonhosa atuação militarizada dos detentores da força bruta oficiais. Medidas abusivas que restringem direitos, agridem, constrangem e calem argumentos contrários devem ser combatidas antes que o medo por repreensões se alastre e sufoque aquilo que entendo como liberdade. O Brasil enfrenta vários desafios decorrentes do seu crescimento e ficou claro após o dia 17 de junho que a próxima geração está preparada para trabalhar por um país de primeiro mundo, desenvolvido. Foi um momento histórico que sinalizou a mudança de percepção de um povo que se julgava oprimido por uma população que não abre mão do que já foi conquistado. Um orgulho que brotou independente do placar de jogos e de atos heróicos de um pequeno grupo.

Fazendo o mesmo trajeto entre a Paulista e o Carrão ontem, dia 18, dividi o vagão com vários jovens universitários que voltavam extasiados para casa. Alguns com rostos pintados, outros com bandeiras e cores do Brasil, a maioria com olhos brilhantes, conversavam empolgados sobre o momento presente. Não falavam da novela (zzz), de alguma série americana (zzzz), do resultado de algum jogo de futebol (ZZZZZZZZ). Falavam animados sobre esse momento. Sobre a vida coletiva que compartilhamos. O orgulho de ser protagonista em um ponto de mutação que chama a atenção de todo o mundo.

Nos meus vinte e poucos anos eu me orgulhava por participar de uma das maiores paradas gays do mundo e sonhava com o dia que veria algo semelhante acontecer em outras esferas. Minha causa foi e continua sendo o direito de viver a própria diferença. A causa desses novos jovens é serem tratados com dignidade e que suas opiniões não sejam descartadas com indiferença.

Em parte eu me acostumei a não reclamar de abusos sofridos diariamente e procurei manifestar minha indignação elaborada em meu discurso autoral. Os novinhos mostraram que estão menos pacientes com autoridades que governam de costas para a população. Isso sim é incrível.

Alguns brasileiros se comportam como caipiras aristocratas quando sentem a necessidade de demonstrar poder aquisitivo. Não andam de ónibus por acreditar que destoariam da massa miscigenada que povoa nossas ruas. Orgulham-se secretamente por não estarem familiarizados com as linhas disponíveis no metro. Sofrem calados no transito insuportável da cidade. São desrespeitados e calam-se pela própria ignorância que os prende à inércia de nunca tomar ações enérgicas para trazer evolução ao seu grupo e para sua própria vida. Gastam suas economias em viagens internacionais e maldizem o próprio país sempre culpando os mais poderosos ou os menos favorecidos. Alguns até são usuários dos coletivos mas comportam-se como sonâmbulos quando o assunto torna-se mais complexo que uma reflexão que ultrapassa dois parágrafos.

Não foram esses que estavam e ainda sairão às ruas.
Não são esses que fizeram de junho de 2013 um período sem precedentes em qualquer outra época da nossa história.

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